«(...) É uma coisa muito confusa que eu na realidade nunca percebi, pois me insdispõe reflectir mais do que o devido sobre coisas tão pueris. O Papalagui, contudo, faz disso toda uma ciência. Os homens, as mulheres e até mesmo as crianças que ainda mal se têm nas pernas trazem consigo (...) uma pequena máquina achatada e redonda onde podem ler o tempo, o que não é mesmo nada fácil.
(...) Ao ouvir o barulho da máquina do tempo, queixa-se o Papalagui assim: «Que pesado fardo! mais uma hora que se passou!» e, ao dizê-lo, mostra geralmente um ar triste, como alguém condenado a uma grande tragédia. No entanto, logo a seguir, principia uma nova hora!
Como nunca fui capaz de entender isto, julgo que se trata de uma doença grave. «O tempo escapa-se-me por entre os dedos!», «O tempo corre mais veloz do que um cavalo!», «Dá-me um pouco mais de tempo» - tais são os queixumes do Homem Branco.
(...) Suponhamos, com efeito, que um Branco tem vontsde de fazer qualquer coisa (...) por exemplo, lhe apetece ir deitar-se ao sol, ou andar de canoa no rio, ou ir ver a sua bem-amada. Que faz ele então? Na maior parte das vezes estraga o prazer com esta ideia fixa «não tenho tempo para ser feliz». (...) Quando de repente se dá conta de que tem tempo, que tem realmente todo o tempo à sua frente, ou quando alguém lhe dá tempo - os Papalaguis dão frequentemente tempo uns aos outros, é mesmo a acção que mais apreciam -, nessa altura, ou já não tem vontade, ou já se cansou desse trabalho sem alegria. E geralmente deixa para o dia seguinte o que podia fazer no próprio dia.
(...) Encontrei uma única vez, um homem que não se queixava de estar a perder tempo e que o tinha de sobra, mas esse era pobre, sujo e desprezado. As pessoas desviavam-se, para o evitar, e ninguém o respeitava. Não entendi tal comportamento, pois ele andava devagar e tinha um olhar sorridente, calmo e bondoso. Quando lhe perguntei qual a razão disso, o seu rosto crispou-se e respondeu-me com voz triste: «Nunca soube empregar o meu tempo de maneira útil: é por isso que não passo de um pobre-diabo desprezado por toda a gente!» Aquele homem tinha tempo, mas nem mesmo ele era feliz.
(...) Se algum de nós há aí a quem falte tempo, que diga! Todos nós o possuímos em quantidade, não temos razões de queixa. Não precisamos de mais tempo do que o que temos, temos sempre tempo suficiente. (...) Devemos curar o Papalagui da sua loucura e desvario, para que ele volte a ter a noção do verdadeiro tempo que tem perdido. Devemos destruir as suas pequenas máquinas do tempo e levá-lo a confessar que há muito mais tempo do nascer ao pôr-do-sol do que ao homem lhe é dado gastar.»
O Papalagui, discursos de Tuiavii, Chefe de Tribo de Tiavéa nos mares do Sul
(acrescentar à lista de sonhos: quero ir a Samoa)
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